quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

K

biblos




Quando for grande

quero ser repositor 

numa biblioteca infinita,

assim privado dos outros,

a espiar e a ler,


entre o ranger do soalhos,


no longínquo espaço 


que nunca verei;


estarei pois afastado,


arrumarei livros lidos 


há séculos,


esquecidos 
por quem já foi esquecido


e o meu alimento serão 


as palavras mais nutritivas


de Eça ou Garrett ou Namora,


Hemingway, Saramago ou Sophia,


Borges e todo o caos (...)


palavras alimentícias, decerto.


Estarei pois sentado no chão de páginas


as pernas cruzadas 


e a curiosidade infinita,


como infinita é a biblioteca,


em que, lembrem-se,


sou o repositor,


esquecido pelo bibliotecário.

(fonte da imagem: n/a)

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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

K

e-s-q-u-i-n-a em aramista perfeito

Resultado de imagem para funâmbulo em arame
É na esquina dos meus pensamentos
que te espero,
espuma fugidia
em trapézio imóvel;
gabas-te do quanto deslizaste,
do quanto me fizeste confiar,
das palavras que sumiste de mim;
foste o resquício,
o travo doce,
o fugaz  negrume, 
conforto de um funâmbulo,
toda a duplicidade 
deste triunfo a que chamo "eu".

Talvez não me creias assim.
Não corro as as cordas de aço
sem um caos delicioso;
por isso,
babugem de Outono,
até de Dezembro,
sou eu que estou ali:
entre dois planos,
perpendiculares ou paralelos,
nada me importa.

 (fonte da imagem:
http://olhares.sapo.pt/funambulo-alado-foto4254470.html)

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sábado, 19 de novembro de 2016

K

chegará o dia


Chegará o dia
do embarque,
da vela solta,
do movimento
escalando
a espuma.
Então, à popa,
o vento 
sorrir-me-á
enchendo
a minha cara
de sardas;
e então aí 
serei
eu,
peregrino
sem retorno 
nem remorso.

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terça-feira, 18 de outubro de 2016

K

já não

Hoje entrei aqui e soube 
que já não é o dourado 
ou o estalar das folhas,
já não é a luz,
ou o anoitecer quase enxovalhado,
já nem sequer é o martelar fininho
da chuva
que me encantam.


É o apontar ao fim.
Ao fim do ano
com as luzes/cores/brilhos
da Celebração.
(foto do autor
obtida com telemóvel)



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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

K

fim


Chego ao fim.

Os meus mastros gemem
na proporção 
do enfunar das velas.
A quilha escorregadia,
habitação de infinitas cracas,
e afins,
anseia pelas mãos dos homens.

Conheci tantas águas,
adormeci sob tantas estrelas 
e todo o meu caminho 
foi apenas o regresso 
ao porto de partida.

Sei que os mares

são muito mais do que 7,
e que os oceanos 
muito mais do que 5,
pois tantas vezes 
as vagas eram mais altas
do que a gávea,
paredes escuras, 
pétreas, rijas,
águas-vivas infinitas.

Terei visto tudo.
Já sirvo há muito:
gerações de marinheiros
aprenderam comigo
o ofício;
lutei o bom combate,
guardei a fé,
nada mais espero.

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sexta-feira, 26 de agosto de 2016

K

cor

A cor púrpura desliza,
na fronteira,
na mistura baça
da madrugada
que antecede a lâmina.
Espera-se a alva, 
o silvar,
o zunido cego,
já.
A luz espraia-se,
há um humor pétreo,
uma quase-cascata
que impera
precipitando-se
sobre os velhos arrozais,
migalhas de um Oriente
ao dobrar da esquina.
É a cor púrpura,
que a tudo remete,
que a tudo destina,
é a cor púrpura 
que aponta 
para lá do Ser,
para lá da Visão
e do Conhecimento.
Virtude primitiva
de um caminho
a que se chama hoje
consciência,
saber até.

Haverá
uma cor 
púrpura bastante,
que envolva
que cubra
que [nos] tape, até?

Regra de busca,
de regresso,
redenção última,
alento fugaz.

(foto do autor 
obtida com telemóvel)

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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

K

Nau


Esticam-se
e buscam a brisa,
bailando.
Está na sua natureza 
a inquietação,
o quase fervor
das águas vivas.


(Foto do autor 
Obtida com telemóvel)
Enquanto as madeiras
gemem,
os metais tinem 
e os homens sonham,
cumpre-se o desejo
infinito
das águas límpidas,
refeição de luas
de outrora.

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domingo, 14 de agosto de 2016

K

teimosia


Na chuva que, 
teimosa,
me persegue,
embarcarei
qual piloto
improvável.

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terça-feira, 2 de agosto de 2016

K

noite


Já esqueci se a noite                                                       
ainda tem esquinas.                                                         
Se os meus olhos                                                             
se derramam pela calçada                                               
rebrilhante,                                                                       
é porque as travessas                                                      
ainda se intersectam                                                        
na nudez da lua esquecida.                                             
Há muito que os meus passos                                        
ecoam por onde onde os meus olhos                              
se derramam;                                                                     
há muito que sonho                                                          
com desencontros,                                                           
invulgares sorrisos                                                            
trocados entre quem                                                         
repousa,                                                                            
sobressaltado                                                                     
quando os outros,                                                             
sonâmbulos,                                                                     
se vestem                                                                         
e rumam para o trabalho.                                                 

Nós, nós, não nos vendemos                                           
por dinheiro.                                                                      
Esconjuramos o tempo:                                                    
                            compramos mais dias, meses, anos,                                                                               para que os sonâmbulos do dia,                                                       
tenham margem                     
para trocar a áspera claridade                                       
pelo doce, carinhoso manto                                           
da negritude.                                              
(fonte da imagem:
Sintra numa noite de Agosto,
obtidas com telemóvel)

(poema dito na Rádio Sim, cortesia de Margarida Fonseca Santos: http
://radiosim.sapo.pt/Detalhe.aspx?fid=1374&did=42396&FolderID=1271)

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sexta-feira, 8 de julho de 2016

K

Carta aos ausentes de Nuremberga: 1945-1946



A minha memória foge:
Auschwitz, Bergen-Belsen, Dachau...
Toldam-se-me também as lembranças:
Varsóvia, Praga, Budapeste, Estalinegrado...
Um Estado-Maior de pura raça,
uns novos senhores da guerra,
mãos limpas, cristalinas,
enquanto o cano das metralhadoras
transportava o indizível.
Foram tantas, 
tantas as vezes
que a lama se encharcou de sangue,
tantas as covas tapadas à pressa,
que o aroma vasto da morte 
se espalhava mais livre 
do que todos 
os que assistiam àquela repetição
indefinida.


Sim,
haveis falhado o 
o compromisso com Nuremberga.
Na pressa, haveis esquecido
o avanço pelo estupro:
os vossos homens brandiam todas as armas
Rússia fora...
Também haveis esquecido 
a ocupação,
os magotes,
os berros e a pancada,
(o próprio gás).

Os meus olhos estiveram ausentes 
de tudo isso,
mas sinto como minhas as dores,
como sinto os rostos obliterados,
diluídos pelas franjas da História.

Vós,
e cito alguns a eito:
Eichmann,
Bormann,
Goebbels,
Hitler,
Mengele,
Himmler,
Reinhardt...
todos haveis falhado
o compromisso com Nuremberga, 
todos vos haveis esquivado
à sentença
e à corda.

E afinal,
de que serve 
"a liberdade sem trabalho"?


(fonte da 1ª imagem:
https://atmagalhaes.wordpress.com/2015/11/)
(fonte da 2ª imagem:
http://viagens.efetur.com/noticia/oswiecim-a-cidade-esquecida-onde-esta-auschwitz/)

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quinta-feira, 9 de junho de 2016

K

p/b

Foi a preto e branco que te guardei.
Não mais te vi,
na memória 
nem o negativo restou.
Para sempre apaguei 
as luzes da revelação,
fechei o estúdio.
Hoje sei que fiz o melhor,
que arquivar-te 
foi acinzentar-te
a ausência.
Imagem seca, a sépia.

(fonte da imagem:
https://denverfotografie.wordpress.com/category/landscape/page/3/)

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quarta-feira, 25 de maio de 2016

K

troc-catroc

Longa é a noite.
Há uma estrada
que calça os teus sapatos,
há um torpor
que leva o som dos teus sapatos
ecoando nas estevas.
Ouvem-se insectos
que frutam o espaço 
onde ondula o teu tempo.
Não há escuridão,
não há medo;
apenas o ecoar dos teu sapatos
troc-catroc
catroc-troc.
Há quanto tempo caminhas?
Há quanto tempo buscas o fim,
o lar
(será?)
Tens de dar a mão 
à brisa,
quem sabe ela não te toma nos braços?
Quem sabe ela não calceta
os teus sapatos com a ternura
do final dos atalhos,
da chegada
e do regresso?
Tu, caminhante suave,
devotada aos trilhos
que os teus sapatos esboçam,
troc-catroc
catroc-troc,
sê feliz e magnífica
nas pistas que traçares
nessa liberdade que te pertence!


(foto do autor obtida com telemóvel
a partir de uma gravura)

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segunda-feira, 9 de maio de 2016

K

quando

Quando os passos
incertos
se tornarem estridentes,
quando o sorriso
vivaz
se tornar lerdo,
quando os meus olhos
despidos de ti
se tornarem centelha,
então saberei que o meu tempo,
que a minha fome de silêncio,
terão sentido na madrugada
que se alastra até pelo horizonte fora.

Diz-me quando for a hora,
desperta-me 
do terror hirto,
da chama já mortiça,
e deixa-me caminhar,
caminhar muito,
até ao fim do exílio simétrico,
que impus à minha alma.

(imagem do autor obtida
com telemóvel)

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quinta-feira, 14 de abril de 2016

K

madrugando

Adormecer.

É na dureza da tábua 
que se adentra a manhã,
deslizando-se sem torpor,
sem fricção.
É a madrugada
que roça as pálpebras,
o som do pó nas tábuas,
a noite esquecendo-se
pelas frinchas.
As folhas das árvores,
os ramos na ginástica da brisa,
o sorriso desdentado de um velho tronco.

A madrugada sopra,
de mansinho,
os restos da noite,
a poesia do sonho 
legitimado.














Varre, também,
a loucura dos olhos teimando-se 
abertos, 
a obsessão do pensamento 
ladeado na demência
das horas lentas,
fincadas no infinito.

É na madrugada
que se assina o pacto
com a luz,
mesmo na dureza
do seu refulgir metálico.

("Sê a tua própria dona.
   Se te inquirirem,
   sê uma só voz.
   Que nunca tenham uma ponta,
   um só átomo contra a tua conduta."
   Fala de Filemon a sua amada Baucis)


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sexta-feira, 1 de abril de 2016

K

sebes



Os arbustos lançavam chispas,
sebes vivas.

Era um caminho poeirento,

cálido.
Sempre aqueles quase-dedos
velozes,
na busca feroz do seu corpo.
Mas seguia,
sempre.
Havia tempo
que o sol já não era companhia,
apenas tortura,
que a brisa
era apenas um vento quente,
amargo,
seco.
Doía-lhe aquele trilho
que lhe ia macerando,
sem dó,
toda a vida
até lá longe,
ao refúgio
(do amanhã)


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sexta-feira, 25 de março de 2016

K

adormecer


Hoje queria dormir queria enroscar-me no meu sono,
a boca fechada, os olhos semi-cerrados na minha própria loucura.
Queria fechar os braços,
enclavinhar as mãos.

Amanhã queria acordar, a boca ainda fechada,
o meu silêncio o meu porta-voz,
o meu pisa-passados.
Ver.
Apenas.
O ruído do silêncio afoitando-se por mim acima.
Nada mais.

Só então terei descoberto que a palavra é rica na sua parcimónia,
e que a brisa da morte não é susto, não é gelo.

("Guarda-te,
sê puro;
quando a depressão chegar,
não a abraces,
não a expulses;
ela acabará por fugir,
ante a tua autenticidade.
Entretanto,
vive, 
não existas!"
Fala de Platão a Élido,
discípulo dilecto)

(fonte da imagem: n/a)

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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

K

Cidade


Não esqueço
as nossas tardes em Nova Iorque,
cidade a que nunca fui, aliás.
Sentados num banco de jardim

em Central Park,

um lago igual aos de Lisboa,

gozávamos as palavras

que se entrelaçavam

num esgar quase cosmopolita.

O tráfego respirava
em centelhas, em remorsos, talvez;
o respirar das pessoas
criava a cidade.
Não nos importávamos:
era num banco de jardim
em Central Park
que nos sentávamos,
nas nossas tardes em Nova Iorque,
cidade a que nunca fui, aliás.


(publicado no blogue
de Margarida Fonseca Santos)

(fonte da imagem: n/a)

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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

K

consumado

Baixaste os ombros,
não, não os encolheste, 
num desprezo banal, ateu.
Apontaste os pés para a terra
para a Terra,
na sacra dúvida.
Labutaste nessa dúvida,
com a certeza
que um Deus ostenta
numa vitória despida.
Teus músculos ainda sustiveram
os teus ossos,
na integridade simétrica da encenação.
Tua cabeça pendeu,
finalmente,
na interrogação da terra, 
da Terra.
As tuas forças iam fluindo,
escapulindo-se como névoa na noite.

Foste erguendo a cabeça
Homem das dores:
está consumado.

(imagem: Cristo de Suan Juan de la Cruz, Salvador Dalí)

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"[...] Apesar de tudo o que se passa à nossa volta, sou optimista até ao fim. Não digo como Kant que o Bem sairá vitorioso no outro mundo. O Bem é uma vitória que se alcança todos os dias. Até pode ser que o Mal seja mais fraco do que imaginamos. À nossa frente está uma prova indelével: se a vitória não estivesse sempre do lado do Bem, como é que hordas de massas humanas teriam enfrentado monstros e insectos, desastres naturais, medo e egoísmo, para crescerem e se multiplicarem? Não teriam sido capazes de formar nações, de se excederem em criatividade e invenção, de conquistar o espaço e de declarar os direitos humanos. A verdade é que o Mal é muito mais barulhento e tumultuoso, e que o homem se lembra mais da dor do que do prazer."

Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico. Leia, assine e divulgue! Sopro Divino

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